Aqui é um espaço para eu viver minha Sombra (na acepção de Jung) de uma forma criativa.
E isso será feito por meio da escrita de contos policiais e de suspense.

terça-feira, 26 de fevereiro de 2013

Minha timidez e a negra toda vestida de branco.

Quando eu era pequeno, sempre que uma visita chegava, costumava me esconder no banheiro de casa. Mesmo sendo um tio, eu logo corria pra lá. Ficava torcendo para ninguém querer usá-lo, pois era o único que tinha em nossa residência.

Lá dentro, eu encostava o ouvido na porta para tentar escutar o que se conversava na sala. O máximo que conseguia distinguir eram sons parecidos com cochichos. E isso me angustiava. Será que algum deles estaria perguntando aos meus pais:

- Onde é o banheiro?

Eu era capaz de ouvir claramente os passos das pessoas, especialmente ao se aproximarem de onde eu estava. Eu cerrava os olhos com força e meus lábios tremiam freneticamente, como ao rezar uma ladainha. Torcia para não virem até mim...

Suspirava de alívio quando percebia os passos mudarem de direção e tomar o rumo de outro cômodo, tal como da cozinha ou do quarto de meus irmãos. Era uma sensação libertadora. Eu abria os olhos novamente, retomava a respiração e meus lábios voltavam ao normal. Normal? Não, quase. A secura de minha boca deixava-os ásperos.

Não sei o quê meus pais achavam dessa minha atitude. Talvez me considerassem tímido, excessivamente tímido. Lembro-me, inclusive, de entrar apressadamente ao banheiro e logo trancar a porta assim que ouvia o interfone tocar. Muitas vezes, era um pedinte, ou o carteiro solicitando que algum morador fosse até a portaria assinar um documento ou simplesmente alguém que tocara no apartamento errado. Eu não queria nem saber. Não pretendia passar pelo incômodo de me ver cara a cara com um visitante. Ali dentro, não ouvindo os sons similares ao cochicho, destrancava a porta e abria uma fresta - o suficiente para um olho e para receber a chegada de sons mais nítidos vindos da sala. Diante da ausência de sinais de que uma visita estaria ali, eu abria o restante da porta e podia retomar minha vida. Isto é, voltar para o meu quarto.

Não por acaso eu era considerado antissocial no colégio. Porque ficava enfurnado no meu canto. Na verdade, eu adorava os cantos. Na sala de aula, minha carteira era lá no fundão, na esquina oposta à da porta. Eu fazia questão de colar meu assento no cantinho, não deixando um mínimo espaço entre minha cadeira e o assoalho. Algum visitante poderia colocar o pé ali e, sorrateiramente, conquistar espaço ao arrastar minha carteira. Eu não dava brechas.
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