Aqui é um espaço para eu viver minha Sombra (na acepção de Jung) de uma forma criativa.
E isso será feito por meio da escrita de contos policiais e de suspense.

segunda-feira, 21 de junho de 2010

RON

As pessoas têm medo de mim. Elas me evitam. Na verdade, sentem nojo da minha presença. Basta eu me aproximar para obter o afastamento imediato delas. E é aquele tipo de distanciamento mesquinho. Pois se preocupam em, indiretamente, caminhar no sentido contrário ao meu. Fingem sair de perto por outro motivo. Mas sei que é por minha causa.

Nem preciso chegar bem próximo para obter essa aversão. Basta uma certa distância, ou mesmo a visão da minha chegada. Isso é suficiente para cada um tomar um rumo contrário ao ponto onde estou e poderei estar. O corpo das pessoas parece movido por um motor, acionado quando seu radar de hipocrisia detecta a minha aproximação. Nem olham nos meus olhos. Simplesmente vão. Tratam de ir para bem longe de mim, tamanho o pânico de serem contaminadas. Pareço o agente causador de uma moléstia fatal. Uma espécie de câncer sob forma humana.

Você pode pensar que sou horroroso. Não, não sou. Também não sou belo, confesso. Mas tenho traços bem delineados e equilibrados. Tudo bem, um metro e sessenta de altura não se enquadram nos padrões sociais de virilidade. Porém, do jeito que as pessoas me evitam, minha aparência deveria ser assustadora. Meu rosto precisaria estar carcomido pela lepra. Minhas orelhas teriam de ser deformadas, tais como as dos lutadores de jiu-jitsu. Enfim, eu teria de ser um monstro. Contudo, não sou.
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Na mente do psicopata

O psicopata encontrava-se sentado na sala de interrogatório. Aguardava a chegada do especialista em análise do comportamento. Mais uma vez o interrogariam. Estava ali há cerca de quatro horas. Vários policiais tentaram extrair as informações necessárias do criminoso. Não conseguiram obter uma sílaba sequer. E, o mais incômodo, saíram desconcertados. Foram incapazes de suportar o olhar frio e penetrante daquele enigmático homem.

Ele era observado por um grupo de homens e mulheres fardados que ocupava a sala ao lado. Todos o avaliavam através do falso espelho que os separavam. Parecia um artista, daqueles que hipnotizam a platéia com sua simples presença carismática. E arrastam a multidão através de seu brilho. Porém, o que destacava aquele homem era um brilho sinistro.

A atmosfera gélida do recinto em que o psicopata permanecia talvez representasse fielmente o seu habitat. Sua psique provavelmente sentia-se confortável naquele ambiente. E ele, impassível, desejava olhar nos olhos do próximo imbecil que chegaria. Internamente soltaria mais uma macabra gargalhada ao ver a reação de assombro do merdinha que viria.

Vários olhares – até então focados no psicopata – se dirigiram para a entrada da sala de interrogatório. Tal como a platéia de uma partida de tênis acompanha a bola de um lado para outro, os policiais – antes hipnotizados pela aura do assassino – agora observavam o especialista abrir a porta. A cada segundo, variavam seu olhar. Ora para o criminoso, ora para o psicólogo. Já os dois, silenciosos e imóveis, se encaravam. Enquanto isso, a platéia procurava vestígios na expressão facial de cada um. Ansiavam por identificar medo, seja de qualquer das partes. Mas se frustraram.
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Realidade

Ele acabara de assistir o último episódio da quarta temporada de Criminal Minds. Gostou de ver o Hotch ser surpreendido pelo psicopata logo ao entrar no quarto do hotel. Preferiria que todos da equipe, não apenas o líder dela, fossem encurralados. Ah... como adoraria...

Ficou alguns minutos olhando a TV de LCD já desligada. Mentalmente ele traçava seu diabólico plano. Imaginou como sequestraria cada membro deste seleto grupo do FBI. Usaria as mesmas estratégias empregadas por Hotch, Morgan, Garcia, Reed, Rossi, JJ e Prentis para traçar o perfil psicológico de cada serial killer que caçam. Construiria meticulosamente o perfil de cada um. Descobriria claramente as vulnerabilidades de cada qual e as usaria como iscas para atraí-los. E essas sete armadilhas, todas elaboradas de forma peculiar e genial, seriam a fonte de seu sucesso.

Ele, então, seria reconhecido como aquele que liquidara com a nata da Unidade de Análise do Comportamento. Teria uma glória infinitamente maior do que qualquer serial killer. O sonho de deixar uma marca na vida seria, enfim, realizado.

O despertador de seu celular entrou em ação. A nona sinfonia de Beethoven, seletivamente programada, o trouxe de volta ao presente. A cada dia, uma música clássica diferente o lembrava de que era hora de trabalhar. Passou estoicamente por esse processo durante os últimos dez anos.
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