Aqui é um espaço para eu viver minha Sombra (na acepção de Jung) de uma forma criativa.
E isso será feito por meio da escrita de contos policiais e de suspense.

quinta-feira, 10 de novembro de 2011

Maria Amélia: A frentista

Maria Amélia, hoje com a idade de quarenta anos, trabalhava há vinte no posto de gasolina da cidade de Matozinhos, interior de Minas Gerais. Aquele foi o seu segundo emprego.

Muitos ali tentaram descobrir onde a mulher trabalhara antes. Mas nem na entrevista para o cargo de frentista ela revelou. E não foi por falta de insistência de Farias, o dono do posto (um português típico, com um baita bigode se espalhando para os lados).

- Eu preciso de uma referência, Maria Amélia.

- Não. - Respondeu a candidata.

- Uma mulher aqui, num emprego como este e num posto de beira de estrada? Preciso da informação de onde trabalhou até mesmo para saber um pouco mais do seu passado. É importante na avaliação de seu curriculum.

- O passadu é passadu, meu senhor. As pessoas muda.

Farias ficou se perguntando se Maria Amélia trabalhara em algum prostíbulo para dizer aquilo. Será que ela era patrocinada por alguma cafetina numa das famosas zonas de Matozinhos? E por isso ela não queria ser julgada por ter trabalhado anteriormente com prostituição? Afinal, "o passado já passou" e "as pessoas mudam."

- Ora pois, sei que as pessoas mudam - insistiu Farias, dando ênfase à última palavra numa tentativa de corrigir sutilmente os erros da pronúncia de Maria Amélia. - Porém, como me sentirei seguro aqui sem saber onde trabalhou?
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segunda-feira, 20 de junho de 2011

Pesadelo

Ela começava a suar frio... Remexia-se na cama, tendo súbitos gemidos, com sussurros indecifráveis. Movimentos espasmódicos ocorriam com as suas mãos – parecia um maestro enlouquecido por estar fora de sintonia com a orquestra. Suas pernas se esticavam debaixo do restante da coberta que ainda a cobria, impulsionando seus pés a pequeninos chutes, como a empurrar um inimigo desconhecido, profundamente indesejado.

Sua cabeça ora virava bruscamente para a esquerda, ora para a direita. Seus olhos fechados mantinham-se cerrados com força, como se ela não quisesse enxergar de frente aquilo que a incomodava. Sua respiração tornava-se cada vez mais ofegante, dando sinais de que o desfecho estava prestes a ocorrer.

Foi então que ela soltou um berro no exato momento em que todo seu corpo foi impulsionado para frente, trêmulo, sentando-se na cama; a coberta caiu de vez no chão, deixando despida aquela pobre alma agonizante.

Ela olhou para o lado direito da cama, ainda com a boca aberta, toda ressecada. Seu marido ainda não chegara. A Gestante ficou ali sentada por alguns segundos. Parecia anestesiada com toda aquela carga emocional impactante e assustadora.

Pegou a coberta do chão e se cobriu. Buscou dormir novamente, recolhida em posição fetal. Mas o que vivera naquela tarde parecia querer retornar. A Gestante tivera de suportar uma dor fortíssima quando agonizara no chão da cozinha horas. E o pior: a dor era acompanhada de flashs com cenas muito estranhas, esquisitas.

Como sua dor era tamanha, ela não conseguiu se fixar nas imagens que vinham à sua mente. Foi incapaz de guardar todas. Mas uma se manteve em sua memória: a de uma árvore antiga, daquelas com raízes visíveis que se esparramam por um longo espaço ao redor do enorme tronco.
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sábado, 9 de abril de 2011

Mulheres: nova fonte de prazer

O psicólogo junguiano entrou silenciosamente na sala de aula. Não deu boa noite a nenhuma aluna. Aquela classe do 3o.Período de Psicologia não tinha nenhum aluno homem, apenas mulheres.

Colocou seus materiais sobre a mesa e procurou algo em seu bolso. Encontrou seu pincel atômico. Usando-o, dividiu o quadro branco em três partes ao traçar minuciosamente - de cima para baixo - cada uma das duas linhas verticais.

Na primeira parte, escreveu: "A energia consumida pela culpa seria muito melhor empregada no ato corajoso de olhar para os dois conjuntos de verdade que se chocaram na nossa personalidade."

Na segunda parte, ainda sem olhar para a turma, escreveu: "Uma parte do ouro puro de nossa personalidade é relegada à sombra porque não encontra lugar nesse grande processo de nivelamento que é a cultura."

E, na terceira parte, já ouvindo os murmúrios de algumas alunas que diziam achar o professor estranho – por ele não ter dado boa noite (como sempre fazia) ao entrar na sala –, escreveu: "Assim, fica claro que precisamos fazer uma sombra, senão não haveria cultura; em seguida devemos restaurar a integridade da personalidade que foi perdida nos ideais culturais, caso contrário viveremos num estado de divisão que se torna cada vez mais doloroso no processo de nossa evolução."

Finalmente, ele se virou para as estudantes. Passou seus olhos por cada uma, num silêncio eloqüente, e perguntou:
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segunda-feira, 21 de fevereiro de 2011

Crise da meia idade: a libertação do mal

Era noite. Eu estava reunido com meus familiares. Minha mãe comemorava o seu aniversário. Todos se encontravam no terraço da casa de meus pais. Minha esposa brincava com nossos dois filhos, os quais formavam uma rodinha com meus sete sobrinhos; todos homens. Parece que os nossos genes - meus e de meus três irmãos - não abriam espaço para o lado yin da vida. Só yang. E ali, diante daquela prole, observava minha mulher com as crianças. Ela era o elemento yin no círculo yang daquele meninada.

Quando percebi, eu me vi isolado num canto do terraço. Porque observei outra rodinha. Esta tinha meus irmãos e suas respectivas esposas. Meus pais se juntaram a eles, trazendo garrafas de espumante. Encheram o copo de cada um para brindarem a venda de mais um imóvel de luxo. Sim, herdamos a imobiliária de meu pai. Nós quatro éramos os únicos corretores. Uma empresa realmente familiar.

Foi então que me dei conta do retorno de uma sufocante angústia, a qual vinha me rondando nos útlimos tempos. Um de seus reflexos girava em torno do fato de não conseguir me sensibilizar mais por aquele clima de festividade e união familiar. Na verdade, tinha asco por aquela reuniãozinha idiota. Sorrisinhos falsos e felicitações hipócritas. Por trás dessa fachada de glamourosa felicidade, havia uma competição voraz para o prêmio de melhor corretor do ano. Naturalmente, eu - o caçula - não participava dessa guerra velada entre meus irmãos. Eu era peça excluída desse tabuleiro imobiliário. Porque todos notaram minha vertiginosa queda na venda dos imóveis nos últimos cinco anos. Portanto, eles consideravam que continuaria não havendo ameaça competitiva de minha parte. 
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domingo, 30 de janeiro de 2011

Obediência

Há quinze dias, um pensamento tomou conta de minha mente. Qualquer atividade passou a ser acompanhda desse conteúdo mental. Quer quando urinava, ao preparar meu leite antes de dormir, no momento em que eu acordava, enfim, a cada instante, meu cérebro martelava um único pensamento.

Comprovei a força do pensar exaustivamente em algo. Percebi o quanto mexe com nossas emoções. Porque quando essa ideia se tornou poderosamente frequente, eu sentia também o ímpeto de realiza-la. Meu coração palpitava mais forte, minha boca secava e minhas mãos tremiam. Parecia possuído desse pensamento. Não conseguia mais ler Dostoiévski, meu ator predileto. Eu me tornara uma espécie de personagem, daqueles bem atormentados, de seus livros.

Cheguei ao cúmulo de queimar as obras literárias que mais amava. Os escritores russos já não faziam mais parte da decoração de minha sala. Havia, agora, um espaço vazio na estante. Gostaria que aquele vácuo se reproduzisse em minha mente. Afinal, considerava-me vítima da influência de Tolstói, Pushkin, Tchekhov. Tentei, insanamente, bater com a cabeça na pilha desses livros antes de queimá-los. Buscava extrair na marra esse pensamento nefasto de mim.

Não adiantou. Foi em vão. Continuava pensando obsessivamente na mesma ideia. E persistia os efeitos físicos, emocionais e psíquicos desses pensamentos. Coração disparado, secura na boca e tremedeira das mãos. Cheguei a pensar em síndrome do pânico. Será que era uma crise de ansiedade? Enfim, precisava tomar uma decisão mais drástica para interromper esse fluxo possessivo que alucinava minha mente.
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sábado, 1 de janeiro de 2011

A maldição cigana

- Onde... está... o... Igor? - perguntou o moribundo, com o resto de voz que ainda conseguia emitir.

Os três ciganos olharam ao redor do quarto daquela tenda. Não encontraram Igor. E ficaram preocupados. A mãe de Igor se aproximou do velho, inclinou a cabeça e lhe fez um carinho.

- Em breve ele chegará, papai...

Com esforço sobre-humano, o cigano doente disse:

- Eu... estou... prestes... a... morrer. É... chegado... o momento de... Igor participar... do ritual de... minha... passagem. - Respirou fundo, com dificuldade. 

A tia e o tio de Igor também se aproximaram um pouco mais. Eles não souberam o que responder ao avô de Igor. Pensaram em procurar o adolescente. Porém, nenhum deles poderia sair do quarto naquele derradeiro momento com o ancião cigano. A qualquer instante, a morte se faria presente.

A preocupação foi maior quando ouviram a pergunta do cigano-chefe:

- Onde... está... o... punhal?
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