Aqui é um espaço para eu viver minha Sombra (na acepção de Jung) de uma forma criativa.
E isso será feito por meio da escrita de contos policiais e de suspense.

sábado, 9 de abril de 2011

Mulheres: nova fonte de prazer

O psicólogo junguiano entrou silenciosamente na sala de aula. Não deu boa noite a nenhuma aluna. Aquela classe do 3o.Período de Psicologia não tinha nenhum aluno homem, apenas mulheres.

Colocou seus materiais sobre a mesa e procurou algo em seu bolso. Encontrou seu pincel atômico. Usando-o, dividiu o quadro branco em três partes ao traçar minuciosamente - de cima para baixo - cada uma das duas linhas verticais.

Na primeira parte, escreveu: "A energia consumida pela culpa seria muito melhor empregada no ato corajoso de olhar para os dois conjuntos de verdade que se chocaram na nossa personalidade."

Na segunda parte, ainda sem olhar para a turma, escreveu: "Uma parte do ouro puro de nossa personalidade é relegada à sombra porque não encontra lugar nesse grande processo de nivelamento que é a cultura."

E, na terceira parte, já ouvindo os murmúrios de algumas alunas que diziam achar o professor estranho – por ele não ter dado boa noite (como sempre fazia) ao entrar na sala –, escreveu: "Assim, fica claro que precisamos fazer uma sombra, senão não haveria cultura; em seguida devemos restaurar a integridade da personalidade que foi perdida nos ideais culturais, caso contrário viveremos num estado de divisão que se torna cada vez mais doloroso no processo de nossa evolução."

Finalmente, ele se virou para as estudantes. Passou seus olhos por cada uma, num silêncio eloqüente, e perguntou:

- O que vocês esperavam de mim quando entrasse na sala?

- Que nos cumprimentasse, né, seu mal-educado? – respondeu justamente a aluna que menos cumprimentava suas colegas quando chegava na sala de aula. Isso fez o professor sorrir internamente.

- Por que vocês esperavam que eu as cumprimentasse? – continuou questionando o psicólogo junguiano.

- Porque é sinal de educação cumprimentar as pessoas – respondeu a aluna de óculos que sentava na primeira fila, quase em frente à mesa do professor.

- E se eu tivesse vontade de entrar aqui xingando metade da turma e propondo trepar com a outra metade numa grande e deliciosa orgia? – questionou, chocando, o professor.

- Se eu fosse a escolhida para pertencer à metade que participaria do bacanal, eu adoraria ouvir essa sua proposta, gostoso! – respondeu a aluna mais soltinha que sentava-se no fundo da sala.

Todas riram, umas mais timidamente, corando-se, outras mais assanhadamente. O professor ficou impassível. Não sorriu e nem repreendeu essa aluna. Até que ouviu uma outra resposta:

- Creio que estranharíamos, professor. Pois o senhor é tão educado... Seria talvez chocante para quase todas... – respondeu a terceira melhor aluna da sala, deixando uma tonalidade mordaz, acompanhada de um rabo de olho reprovador para a mais assanhada se tocar e se comportar melhor da próxima vez.

- Humm... Interessante – expressou o professor universitário. – O fato de eu não entrar xingando e nem propondo uma orgia para vocês é uma garantia de que eu não tenho esses desejos? – apertou mais uma vez o psicólogo junguiano.

- ... – silêncio repleto de pensamentos borbulhantes tomou conta das alunas. Até que uma respondeu:

- Não, professor! O fato de você não entrar xingando a gente e nem propondo uma orgia não quer dizer que você não tenha tais desejos. Quer dizer apenas que a educação e os bons costumes não te deixam manifestá-los explicitamente.

- Brilhante! – o professor aprovou a resposta daquela que quase não abria a boca nas aulas para se expor.

O psicólogo junguiano deixou as garotas refletirem um pouco mais sobre a magnífica resposta, digerindo-a. E acrescentou um novo questionamento:

- Bom, então, sabemos que, mesmo eu tendo tais desejos, as regras sociais (a educação, os bons costumes, a nossa cultura) não me permitem expressa-los livremente. E se eu não posso expressa-los como gostaria, xingando metade da turma e propondo um sexo tórrido à outra parte da classe, tais desejos deixam de existir?

- Não – ouviu-se, quase em uníssono, de todas as alunas.

- Ótimo!! Então, onde esses desejos vão parar, já que eles não deixam de existir? – Logo quando terminou a pergunta e se encaminhava em direção ao quadro, prestes a apontar para uma das três frases que escrevera ali e explica-la didaticamente, a porta da sala de aula foi abruptamente aberta.

Todas as alunas e o professor olharam para a supervisora do curso de Psicologia. Estavam espantados por ela ter entrado de maneira tão afoita e deixado um rádio de comunicação cair. E, o mais surpreendente, fechou a porta e a trancou. Enquanto a segurava, ofegante, como se não bastasse apenas tê-la trancado, berrou:

- Ninguém sai daqui! - Ela pegou o rádio do chão e virou-se para a turma - O assassino está no campus – berrou a supervisora.

As alunas começaram a gritar, apavoradas. Olhavam umas para as outras, desesperadas, implorando por socorro. O som de seus gritos foi ouvido por muitos. E outros gritos, de outras turmas, se juntaram, num verdadeiro pânico.

Há quinze dias, uma aluna - a melhor aluna do curso de Letras - foi encontrada morta no banheiro feminino do prédio desse curso. Desde então, a tensão só aumentara na tentativa de descobrirem quem seria o assassino. E o risco de haver outro assassinato? Ele pairava na expressão preocupada de cada funcionário e de cada aluno da Faculdade. Daí o desespero daquele momento, quando a turma do terceiro período de Psicologia recebera a notícia da supervisora: o assassino estava novamente no campus!?!?!  

A gritaria histérica só foi interrompida brevemente. E ocorreu quando todas as alunas viram o professor tomar uma decisão surpreendente. Ele foi até a porta, girou a chave e, antes de sair, pediu para a supervisora trancá-la de novo. Foi apenas o tempo das alunas trocarem um olhar intrigado sobre o provável motivo da saída do professor. Por que ele fez isso? A sala foi tomada por um pânico e um desespero ainda maior. Os berros tornaram-se mais estridentes quando ficaram desamparadas sem a presença do professor. Dependendo do que ocorreria entre o assassino e o ele, elas poderiam nunca mais vê-lo outra vez...

As aulas finais do turno da noite daquele prédio de Psicologia estavam sendo ministradas nos laboratórios do primeiro andar, onde também se encontrava a sala do terceiro período. Os outros dois andares encontravam-se vazios.

Depois de caminhar pelo largo e amplo corredor dos laboratórios, o professor se deteve por um breve período nas escadas que davam acesso aos andares de cima. Ficou cerca de dez segundos parado. Foi o tempo suficiente para ouvir um grito sufocado. Olhou para cima, com seus sentidos aguçados, enquanto pôs a mão no seu coldre. Ele, desde quando a melhor aluna do curso de Letras fora assassinada, passou a ir armado para a Faculdade. Sacou sua arma e subiu cautelosamente degrau por degrau.

Como ele lembrara que a aluna fora encontrada morta no banheiro feminino do prédio de seu curso, tratou de investigar os banheiros do segundo andar. O banheiro feminino de um lado do corredor e o masculino do outro. Obviamente que ele escolheu o feminino primeiro. Encostou suas costas na parede, respirou fundo e entrou pela porta num salto, já apontando sua arma para dentro. E surpreendeu o casal de estudantes que fazia sexo de maneira arriscada.

A mulher sentada em cima da pia soltou um berro de pavor e empurrou, no susto, o estudante que a penetrava. Este olhou para trás e viu o professor com a arma apontada para eles. O psicólogo junguiano colocou o indicador em seus próprios lábios, pedindo silêncio para o casal. Sabia instintivamente que aquele grito ouvido quando estava lá embaixo não foi de prazer, mas de dor, por mais que um se pareça com o outro. Não veio da estudante do segundo andar. E continuou sua busca.

Passou rapidamente pelo banheiro masculino. Nada! E avançou para as escadas rumo ao terceiro andar. Sentiu um cheiro forte se espalhando pelo corredor. O assassino estaria ali. Ele iria flagrá-lo em plena cena do crime. E foi o que aconteceu.

Ao entrar no banheiro feminino daquele andar, encontrou o Psicopata, de lado para ele, jorrando seu sêmen para o recipiente no qual já se encontrava um líquido vermelho. Era o sangue da estudante morta que jazia sentada na privada. A aluna de psicologia segurava um crucifixo na mão direita. 

Quando o Psicopata fechou o recipiente com a tampa, ouviu o professor dizer:

- Parado aí! Não se mexa! Coloque, bem devagar, este frasco no chão. – O assassino, com o zíper de sua calça aberto, obedeceu, ainda sem olhar diretamente para o professor. – Isso, muito bem. Agora coloque suas mãos atrás da cabeça e encoste-se no espelho! – No instante em que o Psicopata virou-se, dando as costas ao professor e se encaminhando para se aproximar do espelho, o psicólogo junguiano viu um sorriso gélido e excessivamente autoconfiante brilhando para ele através do reflexo do espelho. Um frio lhe percorreu a espinha.

- Encoste-se mais no espelho! – ordenou o professor. Porém, em vez disso, o Psicopata calmamente se virou e olhou nos olhos do professor. – Eu mandei você virar e se encostar no espelho, seu filho da puta! – O assassino sabia que o professor não atiraria. E proclamou, triunfal:

- Você não pode me matar. Você não vai me matar. Preciso dar este líquido para minha esposa e este nutrir o meu filho com os dons dessa estudante. E ainda preciso misturar os talentos de outras mulheres ao meu sêmen e oferecer à minha semente, antes dele nascer. 

            O professor se surpreendeu com a decisão ousada do Psicopata e com toda aquela história insana de oferecer sangue e sêmen a um filho prestes a nascer. Esses segundos de espanto, dúvida e imobilização foram cruciais para o Psicopata usar sua perna esquerda como base e girar, golpeando certeiramente o queixo do professor com o calcanhar de seu pé direito através de um hábil golpe. O professor caiu desacordado ao lado da poça de sangue que se espalhava da promissora aluna de psicologia.
           
O psicopata resgatou o frasco que deixara no chão a mando do professor e elaborou uma rota de fuga no campus da faculdade. Tinha a planta de todos os prédios gravada em sua memória. Sabia que o melhor caminho para sair com menos risco de onde estava era a saída B. Afinal, esta desembocava no clube da instituição. Como este não abria à noite, seria um excelente trajeto para fugir e levar os novos dons que alimentariam seu filho com mais poder.

            Desceu as escadas do terceiro andar e parou na sacada do segundo. Não podia continuar descendo, pois fatalmente passaria pelo corredor do primeiro andar. Os seguranças que protegiam a faculdade e, provavelmente, um reforço de policiais, por conta da notícia espalhada de que ele estava na instituição de ensino poderiam pegá-lo. Resolveu pular da sacada até o gramado que circundava o Prédio de Psicologia. Antes de se lançar, abraçou mais fortemente o frasco que carregava, como se fosse um jogador de futebol americano segurando a bola, prestes a fazer touchdown. E pulou.

Conseguiu! Nenhum dano ao cálice sagrado. E continuou a correr. A cem metros da saída B, ele enxergou mais um obstáculo. Dois policiais guardavam o portão de acesso ao clube da Faculdade. Como me desvencilharei deles?, questionou-se.
            Um tiro foi disparado por um dos dois em direção ao Psicopata. Este trouxe mais fortemente para si o frasco que carregava. Apenas um gesto instintivo de proteção, não para ele, mas para a poção mágica que trazia. O tiro não o atingiu. Ele continuou insanamente na mesma velocidade, com respiração ofegante, chegando cada vez mais perto da saída B.
            Desta vez, os dois policiais que estavam em frente ao portão que dava acesso ao clube se ajoelharam em posição de ataque. Não queriam errar novamente. Apontaram com mais concentração para o homem que se aproximava rapidamente deles. Agora, pela distância, seria possível acerta-lo. Antes que disparassem, cada um recebeu uma bala. Primeiro o da esquerda. Logo em seguida, o da direita. Ambos caíram mortos.
            Tais tiros que mataram os dois policiais não foram obra do Psicopata. Este não carregava nenhuma arma. Foram mortos pelo vulto que se encontrava na sacada do terceiro andar do Prédio de Psicologia. Era o professor. Recuperado do golpe que levara a poucos instantes, decidiu que seria ele quem mataria o psicopata. Então, dali de cima, atirou contra os dois policiais. E teve uma certa surpresa ao ter uma sensação gostosa nesses disparos certeiros. Foi o suficiente para ele vislumbrar um plano nunca antes imaginado. Ele assumiria a função do psicopata. Primeiro viraria um herói. Para isso, precisava atirar naquele que em breve pularia o portão da saída B e se perderia na imensidão escura do clube. Apontou, mirou e apertou o gatilho. Uma bala se alojou no cérebro do psicopata e este caiu estatelado no chão.
         Pronto. Seria um herói. Mas, mais do que isso, o que o professor realmente queria era perpetuar aquela onda de prazer que percorria cada poro de seu corpo. O prazer de matar. E as melhores alunas dos outros cursos seriam, num futuro próximo, bem próximo, a fonte dessa sublime sensação. Ele agora tinha um novo papel a assumir naquela faculdade.

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